segunda-feira, março 06, 2006

# 3163

Que os velórios são tétricos já toda a gente sabe. Já os funerais, não tanto tétricos como lúgubres sempre têm um sentido diferente. Provavelmente a cerimónia mais antiga da humanidade, que terá evoluído ao longo dos tempos, mas que desde sempre se processou com mais ou menos circunstância, com um conjunto de ritos solenes que davam espaço à última despedida. Hoje fui ao funeral do meu tio-avô, mas a coisa pareceu-me mais macabra do que é hábito. Um cemitério atípico com flores de plástico que enganavam abelhas menos atentas na busca insaciável de pólen, com campas resumidas a pequenos montes de terra com um número, ou outras mais adornadas com lápides em forma de coração, enfim, todo um cenário perturbadoramente surreal.

Tudo aquilo se processou muito rápido, na minha opinião perturbadoramente rápido, um ritmo imposto pela agência funerária para quem o tempo da despedida deveria variar inversamente com os lucros do serviço… Surgiu como sempre o momento de maior desconforto, quando os coveiros tapam o caixão, mas em vez do silêncio habitual fizeram-se ouvir comentários relativos à profundidade da cova e questões relacionadas com a inevitabilidade de tudo isto ditas por gente simples com frases rudes como “a gente anda cá, mata-se e esfola-se uns aos outros, mas acaba tudo da mesma maneira..”. Se o silêncio por norma deixa o choro quase mudo estupidamente audível, aqueles comentários sórdidos com o soluçar infeliz da recém-viúva por trás tornavam-o gritante.

Façam-me um favor…
Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.


Mário de Sá Carneiro

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